O primeiro contato a gente nunca esquece
Este é um relato feito por um aluno da turma da UFC que veio para Nova Olinda fazer a cobertura da Renovação e que conta como foi a experiência de assistir a apresentação do Grupo de Penitentes de Barbalha, que ocorreu na noite do segundo dia de evento:
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Sou pessoa qualquer, vinda de Fortaleza, numa viagem de mais de onze horas de duração, em busca da terra onde dizem acontecer algo de mágico. De cara besta como um bom forasteiro frente às muitas cores e à correria dos meninos e meninas, pra lá e pra cá, maravilhado com cada “boa noite” e cada sorriso – e cada gesto e cada refeição – fui logo apresentado ao Grupo de Penitentes da Divina Cruz do Sítio de Cabaceiras de Barbalha, assim, na lata.
O primeiro verso já me faz apertar os dedos pra não cair na besteira de me emocionar e correr o risco de perder o cântico: o senhor que treme e o que se preocupa com o senhor que treme, os dois da frente – que depois soube serem irmãos – parecem muito o meu pai. Homem do interior, rezador de afastar doença ruim, que fala “aligria” e “filicidade”, que talvez carregue uma ou outra penitência nas costas, lembra muito aqueles homens que levavam o coro adiante. E lembrar de pai quando tá longe, da essência de uma pessoa que você ama com toda a força, sobe pegando fogo na garganta. E eu aguentei.
Era clamor de criança e capuz branco cobrindo o rosto dos detrás, e melodias se sobrepondo e céu aberto e um menino dando pirueta lá do outro lado. E também um menino e uma menina com uma camisa escrito “técnica” com câmeras profissionais nas mãos, crianças da Casa Grande, cobrindo o evento que eu também vim cobrir. E um homem de chapéu que distribuía água aos artistas e um monte de gente segurando o mesmo choro que o meu.
O gravador do homem ao meu lado marcou 29:42 quando terminaram de beijar o coração de Jesus, um por um, com seu próprio beijo e devoção, e depois voltaram para uma rodada de perguntas onde o que era intensidade foi se explicando em vozes e gestos. Sobre o grupo de homens do Cariri e suas recusas ao pecado, sua fé maior que tudo, seu amor pelo homem que morreu salvando todo mundo para que tudo acontecesse. E não existia um só traço de alteração em seus rostos, como nos meus talvez houvesse, porque para eles era missão, louvar alguém maior que eles mesmos, que do céu assistia calado, e para mim era a fé do pai e da mãe e uma sucessão de coisas que só chamo de “lembrança” porque insisto em fechar portas pelo lado de dentro. Mas não nessa noite, não na terra que dizem ser mágica e que já começava a entender o porquê.
O pai do bisavô do Seu Nivaldo, que curava doença ruim assim como o padre Ibiapina e o meu pai, criou o grupo para que fossem exemplo da figura do homem sertanejo religioso, que busca a sua paz através de uma vida longe do “profano”. Foi ele também que passou o lugar para o filho, quando se foi, e este ao próximo, até chegar ao Seu Nivaldo, que um dia passará a um outro. Sem falar de tempo, sem contar quantos foram e quantos são, só na certeza de que tudo passa como no fluxo de um rio, onde só importa a beleza das águas, que nesse caso eram as vozes lindas, ao seu próprio ritmo de ir e vir. Confesso que passei alguns segundos pensando no sentido do fim, ou buscando nos olhos dos homens penitentes o que, afinal, significava o fim, mas não encontrei nada que o parecesse. Conversando depois com uma amiga, ela diz como quem não quer nada:
“É que pra eles não é fim, é Renovação.”
Olha, posso até ser pessoa qualquer, vinda de um lugar que não é aqui, que tranca portas e precisa de um abraço quase toda hora que passa fora de casa, mas depois disso tudo, depois que a magia se revela, que o espírito sopra uma baforada de vida, de dentro pra fora, não existe ninguém, em cima desse e de todo e qualquer chão, que permaneça pequeno e menor do que o céu. Agradeço, portanto, aos 25 anos de existência dessa casa de cores muitas de perder as contas, a essa cultura viva que faz tremer as pernas e o corpo inteiro, à sensação de completude e bem danado que me causa essa certeza de que estive, esta noite, diante de tudo o que é divino. Parabéns, Fundação Casa Grande.
![Turma da UFC na Fundação Casa Grande](https://static.wixstatic.com/media/9eb216_32f48f781d4e402fa5336f3cf8661f32~mv2.jpeg/v1/fill/w_980,h_735,al_c,q_85,usm_0.66_1.00_0.01,enc_avif,quality_auto/9eb216_32f48f781d4e402fa5336f3cf8661f32~mv2.jpeg)