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Sagrada Casa Azul


Pisei no Cariri pela primeira vez em agosto de 1999. O ônibus me deixou na pequena cidade de Nova Olinda, depois de uma jornada de doze horas de viagem. Nova Olinda tinha então onze mil habitantes, contando com os moradores da zona rural. Antes das cinco da manhã, todas as portas estavam fechadas, e vaguei pelas ruas com um monte de cachorros e um senhor apressado que repetia a ladainha medádezmedádezmedádez, até que a cidade acordasse.

Fui salva por uma senhora simpática, Dona Irenice, que levantou cedo para pegar a primeira fornada de pão. Perdida assim, disse ela, só podia ser professora que veio dar aula na Casa Grande. Acertou em cheio. Eu era estudante de Comunicação Social na Universidade Federal do Ceará e estava ali graças ao convênio firmado pela professora Márcia Vidal e o UNICEF para que estudantes ministrassem cursos para as crianças da Fundação Casa Grande, uma escola de comunicação para meninos e meninas do sertão. Decidi encarar a aventura depois de assistir a uma palestra do fundador da casa, o incrível Alemberg Quindins.

Quando a Casa Grande abriu, começou uma nova era na minha vida, colorida de azul e percebi imediatamente que estava vivendo uma experiência revolucionária. Aos poucos conheci as crianças e adolescentes que tomavam conta do projeto, absolutamente encantada. Meu trabalho foi colaborar com a implantação da Casa Grande Editora, ensinando os princípios do design gráfico para produção de revistas em quadrinhos e do Kariuzinho, um jornal escrito e diagramado por eles.

Fui a Nova Olinda inúmeras vezes até minha formatura. Fizemos revistas, jornais e um curta sobre a história da casa mal assombrada que virou a ONG mais forte e verdadeira que conheço. Mergulhei na história de Alemberg e Rosiane, os fundadores da Casa Grande. Conheci de perto a vida desses meninos e suas famílias. Começamos, em 1999, uma história de amizade e respeito profundo que o tempo só aumenta e fortalece.

No final de 2014, precisando muito de amor e alegria, escolhi a Casa Grande para passar o Natal e Ano Novo com minha família. Chorei ao rever a casa azul. Os meus ex-alunos, agora adultos, apresentaram seus filhos – de farda, correndo pela casa como eles já fizeram um dia.

Todos os anos, no dia dezenove de dezembro, é tempo de Renovação do Coração de Jesus na Fundação Casa Grande e aniversário dos seus fundadores, que nasceram no mesmo dia por acerto do destino. Tem aluá, tem cantoria dos Irmãos Aniceto, tem festa e alegria. Esteja onde eu estiver, todo dezenove de dezembro eu louvo a Casa Grande, louvo cada menino e menina que passou por ali. Louvo as samaúmas, os cajueiros, o marco de terra da Sesmaria, as portas e janelas, os fósseis de cada pedra. Louvo a vida de Alemberg, esse gênio mensageiro dos Kariris e louvo a Rosiane, a mulher forte e doce que faz dessa casa azul um lar para a esperança, morada da alegria, santuário sagrado. Quando pisei ali, pela primeira vez, deixei meu coração guardado para sempre.

Matéria publicada no Jornal o Povo em 15/12/2015

Link: http://www.opovo.com.br/app/colunas/socorroacioli/2015/12/15/noticiassocorroacioli,3549219/sagrada-casa-azul.shtml

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